quarta-feira, 19 de março de 2014


Hadriel

Capítulo I - O antigo irmão


Ele olha o horizonte, vislumbra o céu de onde caíra; as asas que outrora eram símbolo de que era um arauto dos céus, não mais fazem parte de sua duvidosa existência. Me chamo Hadriel, e não sei mais o que sou.

As amarras se desprendem. Os elos se fecham. O início torna-se o fim e o fim um novo princípio. Agora entre os homens eu ando, e posso sentir, tocar, amar como tais. Aqueles que jurei proteger, amparar com minhas asas e responder ao clamor da fé, agora não posso mais fazê-lo...Ou será que posso?
O vento sopra com pompa. Nuvens levantam-se no horizonte prenunciando uma tempestade vindoura. Não demora muito para desabar gotas pesarosas sob minha face. Pela primeira vez, sinto o toque delicado da chuva so
bre meu rosto. Ela parece que tem o poder de expurgar as mágoas, as dores que afligem nosso coração.
Um relâmpago cruza os céus. E a tempestade agora toma dimensões mais fortes, precedidas por raios que rasgam os céus. Como se por meros instantes, a noite fosse clareada por segundos pela quantidade exorbitante de raios. Hadriel, apesar de não saber se aos mortais agora pertence, ainda guarda junto de si o simbolo que era de um alto escalão de anjos. A elite de todos eles. De toda a hierarquia celeste, ele estava entre as castas mais privilegiadas, era um Arcanjo. O símbolo que ainda ostenta é sua espada de lâmina aguda, feita de diamantes e com detalhes entalhados em ouro. É difícil descrever tão grandiosa espada, pois se trata da primeira de todas; É a primeira de todas as armas que se tem conhecimento em lendas e fatos. O que posso dizer é apenas isso; ela é de diamantes e possui detalhes em ouro; no mais, minha mente não consegue compreender e encontrar termos descritivos para tal objeto magnífico. É algo que existe muito antes do tempo ser contado por eras; muito tempo antes de qualquer coisa que se tem conhecimento. Patamares descritivos não posso encontrar para descrever as formas de Hadriel, pois possui algo singular, fora dos padrões estéticos que conheço, mas posso dizer que sua pele é caucasiana, e seus olhos de um tom azul de extrema beleza e profundidade.
Sob a tempestade ele anda, seguindo um caminho incerto, a procura de respostas das quais precisa descobrir, para saber o motivo de estar onde está. Se o amor e dedicação aos homens ainda deve prosseguir ou se deve conviver como um deles. Ele não sabe. Atras de tantas incertezas, há um alento de esperança, uma fagulha que queima em seu interior e diz onde procurar respostas.
E ele prossegue na chuva torrencial, com sua roupa branca e com seus braceletes de ouro nos pulsos. Por mais incrível que pareça, a resposta estará no seu próprio interior e em um homem, um simples mortal que acorda de um sono, um sono muito, muito longo.
Aos poucos tomo consciência da aparência de Hadriel, por mais que possa ser algo singular, detalhes físicos não são difíceis de serem descritos; parecia que uma bruma envolvia aquele semblante de origens celestiais, que remetia ao início dos tempos. Antes, o semblante dele fora descrito por seus olhos que são completamente únicos; um tom extremamente vivaz, de profundidade inominável; pele caucasiana; agora complementarei sua descrição, pois as brumas que encobriam minha visão se dissipam aos poucos. Altura em torno de um metro e noventa; físico desenvolvido, com musculatura definida; cabelos de um tom castanho escuro na altura dos ombros levemente ondulados, mas não posso dar certeza, pois a chuva, com sua incessante e pesarosa cadência provavelmente tenha alterado as características verdadeiras de seus cabelos, mas enfim, trata-se de um semblante que transmitia uma imponência sem precedentes descritivos, outra característica que denota a sua veracidade e elevado valor espiritual e intelectual, extremamente superior aos homens.
Havia algo que emanava dele, algo que me suprimia, me fazendo colocar no devido lugar que pertenço, que é entre os meros mortais. Havia poder nele, algo superior a tudo que fora conhecido pelo homem.
Mas por mais poderoso que seja Hadriel, há coisas que nem ele pode compreender; Ele lembra de sua queda da nona camada celeste, quando irrompeu dos céus. Há lapsos em sua memória. Imagens difusas, conturbadas e atormentadoras. Claramente em sua mente ele vê a face de Metraton, príncipe dos Serafins, aquele que está mais próximo a Deus.
Metraton, pela hierarquia dos anjos, é o mais elevado de todos . Ele está acima de todos os demais existentes. Assim como Miguel é o príncipe dos Arcanjos, que são os mais bravos entre os seres divinos, os Serafins são os mais elevados e sábios. Eles são os únicos que viram a face de Deus, enquanto os demais, não tiveram esse previlégio. Eles são oito. Metraton,Vehulah, Jeliel, Sitael, Elemiah, Mahaslah, Achalah, Cahethel.
Mas há algo que abala Hadriel. Caído entre os homens, banido do Arco Celeste, vagar é a sua única opção. Não há contato com nada e com ninguém. Ele respira fundo. E pela primeira vez, ouço sua voz. "Então é assim que será; entre aqueles que amo, irei procurar respostas" . Era uma voz pesada, forte e imponente. Mas ele não esperava uma resposta de imediato:

"E que assim seja então, meu caro irmão"

Era uma voz conhecida. Uma voz que emanava conhecimento e pesar. Era de um irmão mais velho, o primeiro deles, aquele que tentou roubar o trono de Deus, Lúcifer o Arcanjo da Luz.

- Ainda te invejo por ter a arma lendária Hadriel
- Tens a chave de Mannon, aquela que abre qualquer porta. Eu tenho uma espada que corta qualquer coisa. Estamos equiparados Lúcifer. Agora me diga, o que fazes aqui?

Lúcifer sorri. Um sorriso tenebroso repleto de rancor, ódio e algo mais pesaroso que não sei definir. Era algo que me reprimia, como se mero gracejo dele poderia despedaçar minha alma com um sorriso ou um estalar de dedos.

- Vim lhe dar as boas vindas irmão! Está entre os caídos como eu. Ao contrário de você, eu sei porque caí e você nem ao menos sabe o que faz aqui. Está confuso, não sabe nem se é homem ou anjo ainda. Para ser sincero Hadriel, eu nem sei se você é um anjo caído ou um homem. Lhe trato como "irmão caído" pois há algo maior arquitetado por trás disso tudo. O fato é que está aqui.

Hadriel desembainha a lendária espada. Ela não tem nome, pois quando ela fora forjada não existiam os nomes ainda. Ele a brande para o lado e uma fenda de grandes proporções surge. Não se via o fundo de tal fenda, mas era profunda e trovejava dentro dela. A fenda se propagava em uma velocidade aterradora, como se fosse rasgar a Terra toda. Fora então que Hadriel embainha a lendária espada e a fenda se extingue, como se nunca surgira. Não sei o que vi. Fruto de minha imaginação não pode ser. Aquilo tudo que vi fora fruto de algo que não posso compreender.

- Nunca foste sincero Lúcifer. És astuto e sábio com as palavras. Seus olhos enxergam além de seu reino profundo que torturas almas. Não me venhas querer confundir minha mente, pois sabes muito bem que fomos irmãos outrora. És a escória de toda a criação.

O semblante de Lúcifer muda. Uma seriedade profunda está estampado em sua face. Foi então que ouvi a verdadeira voz dele. Era algo tão forte, tão profundo que a chuva se tornara negra. Ele levanta a sua mão esquerda e a abre; sob suas costas, fogo e fúria emanava; Uma legião inominável de demônios, anjos caídos estão todos prostrados atrás dele, como se esperassem uma ordem.

- Hadriel, foram 72 que caíram comigo na primeira e única rebelião dos Céus. Todos eles estão comigo. São fiéis a mim. Destruir você, roubar a lendária arma que porta e quebrar os selos do Apocalipse estão ao meu alcance quando eu quiser. Lembre-se disso. Sou infinitamente superior a você, nem que estejas em sua forma plena. Contenha as suas palavras quando a diriges a mim. Há algo que diz, que haverá outro que irá se rebelar ao seu pai celestial e tentará roubar seu trono. Procure o mortal que acordara de um sonho profundo de muitos anos, e terá suas respostas.

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